Gessy Gesse começou a falar comentando a dificuldade de se locomover em Salvador: como não sabe andar de bicicleta, moto não é opção. Vai comprar um jumentinho e andar de jegue.
Nasceu em Salvador, em casa, no bairro de Santo Antonio Além do Carmo, aparada no colo de sua avó materna, que era índia Tupinambá. Era 16 de janeiro 1939, dia da Lavagem do Bonfim e seu pai tinha saído para dar uma volta.
Revelou que o pai era um homem muito rígido. Gessy recebeu muitas punições por suas inúmeras travessuras, porém nunca chorou na frente dele. Compreendeu a dureza de seu pai como resultado da própia vida dele. Filho de uma índia Tupinambá que com duas irmãs tinham sido levadas para cortar cana em Santo Amaro da Purificação e foi estuprada aos 13 anos pelo "Senhor do Engenho". Faleceu de parto, no canavial. Suas duas irmãs (tias de seu pai) fugiram com a criança e vieram parar em Salvador. Com a vida dura que teve seu pai se tornou a pessoa rigorosa e intransigente que a educou com firmeza.
Prometeu, quando crescer, se permitir todo o tipo de liberdade.
O amor de sua avó por um índio chamado Gesse, com quem nunca teve oportunidade de se relacionar, gerou o pedido de que a criança que estava por nascer tivesse esse nome. Quando seu pai a foi registrar o escrivão grafou seu nome como "Gessy". Era uma marca de sabonete e produtos de higiene famoso na época. Ela revela o quanto odiou esse nome, até que, quando iniciou sua vida artística adotou o nome de Gessy Gesse que lhe pareceu mais sonoro e apropriado ao pedido original.
Quando pequena, sofria bullying ao ser comparada, pelos seus colegas, ao sabonete Gessy por conta do seu nome. Porém conta este fato com eloquência e muito bom humor.
Aos 16 anos casou com seu primeiro marido, que conheceu em um pronto socorro em um dia de carnaval por ter "cortado o pé" na avenida. Revelou que como passaram da hora de voltar para casa, ela e as irmãs, sabiam que a surra era certa. Para se livrar da punição, provocou o corte no pé para que com a justificativa do atendimento no pronto socorro seu pai abrandasse o coração. De fato ela não apanhou, mas as irmãs foram punidas.
Casou-se, na verdade, para se livrar das surras do pai e ter uma vida mais independente. No dia do casamento seu pai advertiu o marido: "Você vai levar uma Jararaca". Deste casamento, teve dois filhos.
Aos 19 anos, foi chamada para atuar em um filme Francês chamado "O santo ótimo", que foi proibido pela igreja e não se encontra para ser exibido. Recentemente recebeu a cópia deste filme da viúva do cineasta e se surpreendeu ao notar que a música de abertura do filme era Berimbau de Vinicius de Morais.
Relatou outras coincidencias que a aproximavam de Vinicius. Seu filme seguinte, de produção italiana, chamado “El cangaceiro” tinha trilha musical de Vinicus de Moraes e Pichinguinha.
"Ganhei dinheiro com este filme". Conta que resolveu ir conhecer o Rio de Janeiro onde dois amigos baianos moravam e seguidas vezes a convidavem para visitá-los. Era Maria Bethânia e Caetano Veloso.
Bethânia a convidou para uma festa de homenagem à Vinicius de Morais. Gessy disse que não queria ir por que: "festa de intelectual é coisa chata".
Cedeu ao convite, resolvida a ficar na festa por pouco tempo, mas ao ser percebida por Vinicius, que a partir desse momento, ele fez de tudo para conhecê-la, iniciou-se um troca-troca de olhares, com direito a sinalizações com o copo de whisky na mão e bilhetinhos.
De repente, Gessy se viu sozinha na mesa. Sem perceber todos os amigos dela, incluindo Bethânia, deixaram-na sozinhos, a pedido dele. Vinicius aproximou-se e disse que a levaria para casa. Diante da recusa, por esperar os amigos ele esclareceu que nenhum deles voltaria e como ela não sabia voltar para casa ele era a única opção.
Saíram da festa, ele pediu um taxi e partiram. No meio do caminho, intempestivo Vinicius parou o taxi, entraram no "Number One", ele sentou ao piano e cantou para ela. Gessy recusou todos os drinks oferecidos por ele, mas foi se envolvendo na conversa e com a pessoa dele.
Quando levantaram para ir embora, ele já tinha bebido bastante. Gessy confessa que ao se levantarem, ela mediu as estaturas e concluiu: "Na tora ele não vai me comer! Capoeirista, com um "rabo de arraia", nesse estado ele vai ao chão.
Pararam ainda uma vez mais. Na praia. Foi na areia de Copacabana, longe dos fãs e do piano que o homem Vinicius apareceu e a encantou.
No dia seguinte, de meia em meia hora chegavam flores para ela, convidando-a para um jantar na casa dele. Ela resolveu que iria. Após esse dia, voltou para a Bahia.
Ao chegar em casa, em Salvador, recebeu um telegrama com um pedido de casamento de Vinicius de Moraes. “Depois disso foi tudo muito rápido”, palavras de Gessy. Viajaram para o Uruguai, casaram-se e iniciaram uma longa relação de 7 anos. A festa de casamento foi bonita mas não os deixou totalmente satisfeitos. ALgum tempo depois, em Lauro de Freitas na Bahia se encantaram pelo casamento cigano e resolveram casar dessa forma. Corte no pulso ( com muito cuidado pois Vinicius era diabético), troca de sangue, e muitas margaridas brancas, que era a flor que ambos gostavam. Os padrinhos de Vinicius foram Jorge Amado e Zélia Gatai. OS padrinhos de Gessy foram Alta Rosa e o mestre "Calá".
Foi projetado nesse momento trecho de entrevista de Bethânia, na qual ela conta como apresentou os dois. Gessy se emociona e revela que ela gosta muito da foto em que está com Vinicius no mar de Itapuã. Por que não fazia parte dos hábitos noturnos de Vinicius tomar banho de mar. Poeta boêmio acodava as 17 hs e fazia shows até as 05 da manhã.
Gessy sofreu preconceitos pela imprensa, dos intelectuais e da sociedade que a adjetivaram das formas mais diversas.
Apesar da falta de compreensão de alguns que temiam que a Baiana "roubasse" Vinicius para a Bahia, Gessy revela que viveram intensamente muitos bons e maus momentos também.
Conversavam muito. Revela que na vida de um casal nenhum dos dois pode prevalecer. Eu nunca invadi a vida dele. Ele nunca invadiu a minha vida. Isso é muito respeito. Um não pode encobrir o outro.
Revela que Vinicius gostava de duas coisas: festa de aniversário e febre.
A festa de aniversário ela sempre fez, ainda que tivesse que improvisar. Quanto à febre ele dizia que a passagem do frio para o calor dava uma espécie de "tesão".
Relata que em uma das festas de aniversário pegou Caymmi pensativo sob um chapéu da comemoração. Perguntou então o que se passava e ouviu como resposta: "Gessy eu acho que se eu fosse mulher ia dar mais do que xuxu na cerca".
Contou também que em uma das festas chatas de intelectuais, depois do whisky, Vinicius cochichou em seu ouvido que precisava fazer xixi e não dava para levantar e ir ao banheiro. Prontamente Gessy levantou e providenciou na despensa a primeira vazilha que encontrou. Vinicius fez o "serviço"e relaxou. Gesssy percebeu então que todos se afastavam incomodados. Achou estranho e foi conferir a vasilha era um escorredor de macarrão.
Iniciada a seção de perguntas Gessy foi provocada a falar sobre o que Vinicius falava com relação à diferença de idade entre eles e de imediato respondeu. Vinicius sempre falava: "Enquando eu tiver língua e dedo, mulher não me mete medo".
Finalmente, questionada sobre a separação do casal, Gessy respondeu que "nunca houve separação". Eu que tomei a iniciativa de deixar Vinicius livre.
Ele precisava de liberdade para resolver problemas familiares.
Revela que quando estava internado ligou para ela dizendo "eu quero você aqui, minha Jaguatirica".
No casal você precisa estar atento para não deixar de ser você mesmo e passar a ser o outro. Aí está acabado!
Eu deixei Vinicius Livre.
Vinicius era um Poetão.